Alemã, Hannah Arendt (1906-1975), nasceu numa abastada e antiga família judia. Sempre resistiu ao título de Filósofa, pois considerava-se, “apenas” uma pensadora. Afirmava que o pensamento deve estar a serviço da vida e não numa encapsulada Filosofia. Teve o privilégio de ser aluna e amiga pessoal de Heidegger, Husserl e de Jaspers, expoentes da corrente filosófica fenomenológico-existencial.
Diferente da ontologia metafísica antiga, cuja origem remonta a Platão, a fenomenologia existencial parte das coisas que aparecem no mundo. Tomemos o seguinte exemplo: a experiência sensível (de onde também parte a razão científica) nos permite constatar se alguém está ou não morto. Já o conceito da morte em si, cabe à metafísica. Arendt se debruça sobre os fenômenos em seus modos de aparição na existência mundana pois, para a fenomenologia “ser” e “aparecer” coincidem.
Em 1933, Hitler toma o poder e Hannah Arendt, judia, vê ruir a possibilidade de lecionar nas universidades alemãs. Perseguida pelo nazismo, passa a viver como apátrida, em exílio. Essas circunstâncias são extremamentes relevantes para a compreensão das obras desenvolvidas em sua vida: meditações filosóficas, análises de teorias políticas e tentativa de explicar os inusitados e nefastos rumos de seu tempo.
Em 1951, com “Origens do Totalitarismo” (termo cunhado por ela que significa governo, país ou regime que centraliza todos os poderes políticos e administrativos, proibindo a atuação de quaisquer outros partidos ou grupos políticos) detém-se a analisar de modo sistemático esse fenômeno inédito, que não se enquadrava nas categorias tradicionais das ciências políticas.
Arendt testemunha o antigo e complexo enlace entre moral e política (vide artigo “A Lei Divina (Thémis) e a Lei dos Homens (Diké) em Antígona, disponível nesse site) vexatória e desumanamente rompido nos tempos em que viveu; revela a necessidade de recuperar a dignidade da política como atividade (práxis) fundamental da vida em comum.
Com base numa antropologia filosófica, responderá sobre em que condições um universo totalitário é possível. Filósofa do real (existencialista), Arendt tomará por objeto de estudo a vida ativa (que atua, age no mundo e não a contemplativa, tradicional na Filosofia) vendo-a por três modalidades de atividades fundamentais do homem na cultura: trabalho, obra e ação.
Sobre o trabalho, atesta ser uma atividade indefinidamente repetitiva e voltada exclusivamente para satisfação e preservação das necessidades vitais humanas. O trabalho em si é, portanto, produção de tudo o que é perecível.
Quanto ao que denominou “obra”, cabe a produção de bens duráveis, artefatos e objetos que não são aniquilados assim que consumidos. Mas mesmo essa “durabilidade” é relativa e está sujeita/submetida à utilidade e ao ciclo dos meios e dos fins.
Somente a ação é, em suas palavras, “a única capaz de transcender o ciclo da necessidade vital e da cadeia infinita dos meios e dos fins. Inseparável da palavra, a ação é revelação do homem, num espaço público de surgimento [pólis] em que cada um é visto e ouvido por todos”.
Em sua obra “A condição humana” (1958), observa que “estar isolado é estar privado da capacidade de agir”. Mesmo não sendo privilégio exclusivo do ator político, a ação humana enseja a constituição de um espaço público (distinto do âmbito privado) por onde se estende toda a vasta rede de relações/atuações humanas. A ação se dá no espaço público. Por outro lado, a ação que se dá no espaço público não pode perder a conotação individual. Em verdade, não agimos quando somos levados pelo coletivo que se manifesta através de nós. Nesse sentido, o sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra “Ética pós-moderna” alerta que, “Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos”.
Não há porque agirmos como marionetes guiadas por determinismos históricos ou de qualquer outra ordem. A liberdade está em nosso poder de criar o novo: “O começo é a suprema capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do homem” (Origens do Totalitarismo).
Transformar as diferenças em monotonia (unidade) é a tentação permanente das sociedades totalitárias. O nazismo e o comunismo foram as expressões máximas desse desejo de unidade.
Em 1963, a serviço do The New Yorker, imbuída de compreender o que leva um ser humano a, estupidamente, recusar-se a pensar, a refletir sobre seus atos (uma das causas que levam a se perder o individual), Hannah Arendt parte para a cobertura jornalística do julgamento do general Karl Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelo planejamento e execução de milhões de judeus. Publica Eichmann em Jerusalém. A obra surpreende ao revelar suas impressões: o responsável por tantas atrocidades não era nenhum demônio encarnado (o que lhe rendeu incompreensão e severas críticas da própria comunidade judaica). Tratava-se de uma pessoa absolutamente “normal”, um típico burocrata, manipulado pela ideologia alemã, um mero executor de ordens que zelava por seus deveres e pelo cumprimento de seu trabalho.
A perversidade do sistema totalitário cria pessoas destituídas da mínima capacidade de distinguir o bem do mal, de atentar para as conseqüências de suas ações, pois encobrem-se no coletivo. Cegos, buscam, unicamente, ascender socialmente no exercício de suas profissões sem questionar o éthos do que lhes compete.
Hannah Arendt apontou para a necessidade de refletirmos sobre o fato de que regras arbitrariamente preestabelecidas nos tornam incapazes de gozar das faculdades básicas do espírito individual, seqüestrando nossa liberdade. Ao negar ao homem a liberdade de pensar, refletir, julgar e escolher, fomentamos a existência do totalitarismo.
Diferente da ontologia metafísica antiga, cuja origem remonta a Platão, a fenomenologia existencial parte das coisas que aparecem no mundo. Tomemos o seguinte exemplo: a experiência sensível (de onde também parte a razão científica) nos permite constatar se alguém está ou não morto. Já o conceito da morte em si, cabe à metafísica. Arendt se debruça sobre os fenômenos em seus modos de aparição na existência mundana pois, para a fenomenologia “ser” e “aparecer” coincidem.
Em 1933, Hitler toma o poder e Hannah Arendt, judia, vê ruir a possibilidade de lecionar nas universidades alemãs. Perseguida pelo nazismo, passa a viver como apátrida, em exílio. Essas circunstâncias são extremamentes relevantes para a compreensão das obras desenvolvidas em sua vida: meditações filosóficas, análises de teorias políticas e tentativa de explicar os inusitados e nefastos rumos de seu tempo.
Em 1951, com “Origens do Totalitarismo” (termo cunhado por ela que significa governo, país ou regime que centraliza todos os poderes políticos e administrativos, proibindo a atuação de quaisquer outros partidos ou grupos políticos) detém-se a analisar de modo sistemático esse fenômeno inédito, que não se enquadrava nas categorias tradicionais das ciências políticas.
Arendt testemunha o antigo e complexo enlace entre moral e política (vide artigo “A Lei Divina (Thémis) e a Lei dos Homens (Diké) em Antígona, disponível nesse site) vexatória e desumanamente rompido nos tempos em que viveu; revela a necessidade de recuperar a dignidade da política como atividade (práxis) fundamental da vida em comum.
Com base numa antropologia filosófica, responderá sobre em que condições um universo totalitário é possível. Filósofa do real (existencialista), Arendt tomará por objeto de estudo a vida ativa (que atua, age no mundo e não a contemplativa, tradicional na Filosofia) vendo-a por três modalidades de atividades fundamentais do homem na cultura: trabalho, obra e ação.
Sobre o trabalho, atesta ser uma atividade indefinidamente repetitiva e voltada exclusivamente para satisfação e preservação das necessidades vitais humanas. O trabalho em si é, portanto, produção de tudo o que é perecível.
Quanto ao que denominou “obra”, cabe a produção de bens duráveis, artefatos e objetos que não são aniquilados assim que consumidos. Mas mesmo essa “durabilidade” é relativa e está sujeita/submetida à utilidade e ao ciclo dos meios e dos fins.
Somente a ação é, em suas palavras, “a única capaz de transcender o ciclo da necessidade vital e da cadeia infinita dos meios e dos fins. Inseparável da palavra, a ação é revelação do homem, num espaço público de surgimento [pólis] em que cada um é visto e ouvido por todos”.
Em sua obra “A condição humana” (1958), observa que “estar isolado é estar privado da capacidade de agir”. Mesmo não sendo privilégio exclusivo do ator político, a ação humana enseja a constituição de um espaço público (distinto do âmbito privado) por onde se estende toda a vasta rede de relações/atuações humanas. A ação se dá no espaço público. Por outro lado, a ação que se dá no espaço público não pode perder a conotação individual. Em verdade, não agimos quando somos levados pelo coletivo que se manifesta através de nós. Nesse sentido, o sociólogo Zygmunt Bauman, em sua obra “Ética pós-moderna” alerta que, “Na multidão, somos todos iguais. Andamos juntos, dançamos juntos, nos acotovelamos juntos, ardemos juntos, matamos juntos”.
Não há porque agirmos como marionetes guiadas por determinismos históricos ou de qualquer outra ordem. A liberdade está em nosso poder de criar o novo: “O começo é a suprema capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do homem” (Origens do Totalitarismo).
Transformar as diferenças em monotonia (unidade) é a tentação permanente das sociedades totalitárias. O nazismo e o comunismo foram as expressões máximas desse desejo de unidade.
Em 1963, a serviço do The New Yorker, imbuída de compreender o que leva um ser humano a, estupidamente, recusar-se a pensar, a refletir sobre seus atos (uma das causas que levam a se perder o individual), Hannah Arendt parte para a cobertura jornalística do julgamento do general Karl Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelo planejamento e execução de milhões de judeus. Publica Eichmann em Jerusalém. A obra surpreende ao revelar suas impressões: o responsável por tantas atrocidades não era nenhum demônio encarnado (o que lhe rendeu incompreensão e severas críticas da própria comunidade judaica). Tratava-se de uma pessoa absolutamente “normal”, um típico burocrata, manipulado pela ideologia alemã, um mero executor de ordens que zelava por seus deveres e pelo cumprimento de seu trabalho.
A perversidade do sistema totalitário cria pessoas destituídas da mínima capacidade de distinguir o bem do mal, de atentar para as conseqüências de suas ações, pois encobrem-se no coletivo. Cegos, buscam, unicamente, ascender socialmente no exercício de suas profissões sem questionar o éthos do que lhes compete.
Hannah Arendt apontou para a necessidade de refletirmos sobre o fato de que regras arbitrariamente preestabelecidas nos tornam incapazes de gozar das faculdades básicas do espírito individual, seqüestrando nossa liberdade. Ao negar ao homem a liberdade de pensar, refletir, julgar e escolher, fomentamos a existência do totalitarismo.